O Brasil é o quinto maior produtor de veículos no mundo: mais de 4 milhões de unidades ao ano. Tem um grande mercado interno, quase toda essa produção é vendida aqui. E são grandes as possibilidades de crescimento desse mercado, com a ascensão social e as facilidades de crediário existentes. Há cerca de 20 montadoras instaladas no país,além de mais de 500 fornecedores na cadeia produtiva. Outras estão vindo.
No entanto, nenhuma dessas montadoras é brasileira.Os grandes fornecedores e fabricantes de autopeças
instalados aqui também são estrangeiros.Dos dez maiores fabricantes de veículos no mundo, o Brasil é o único que não tem montadora própria (excetuando o México, cujo setor automotivo é uma espécie de“extensão”do americano)—o único Bric sem uma.
Formamos técnicos e engenheiros de nível mundial, que vão trabalhar nessas empresas.Muitos fazem carreira internacional. É como ver uma Copa do Mundo sem uma seleção brasileira,com todos os nossos craques jogando com camisas estrangeiras. Frustrante.
Não tenho nada contra as multinacionais. Elas têm contribuído muito para o Brasil, gerando empregos, recolhendo impostos e produzindo riqueza. Todas fazem pesquisa e desenvolvimento, inovam, mas fazem isso nos seus países de origem. Essas atividades são estratégicas, arriscadas e caras, por isso ficam sob supervisão direta das suas matrizes.
O governo brasileiro está agora tentando modificar esta situação. Aumenta impostos sobre os veículos, especialmente os importados, mas dá descontos para aquelas empresas que investirem aqui em“inovação”,
sem dizer claramente o que seria isso, entre outras exigências.
A meu ver, isso dificilmente vai dar certo.O que vamos ter, de fato, é um esforço das empresas para convencer o governo de que o que elas já vêm fazendo atende às novas regras. No máximo, teremos carros com motores algo mais econômicos (uma das únicas exigências objetivas do programa).
Esse novo regime automotivo tem aspectos positivos, mas é uma forma de protecionismo comercial.
Acentua as distorções do mercado brasileiro, não toca no grande problema:
o preço dos carros brasileiros ser o triplo do preço em outros países.
Além disso, provavelmente terá pouco resultado em termos de inovação e desenvolvimento de tecnologia automotiva brasileiras.
Se tivéssemos uma montadora brasileira,não precisaríamos de nenhum“regime automotivo”nem de nenhum programa de inovação. Uma montadora brasileira faria pesquisa e inovação naturalmente no Brasil, como já fazem Embraer,Vale,Petrobras e Embrapa.
Pode ser difícil agora criar uma nova montadora brasileira competitiva em nível global,mas não é impossível.
Há alguns nichos que poderiam ser explorados.O Brasil tem algum conhecimento em carros “verdes”, por conta do álcool e dos biocombustíveis—os motores flex, aliás, são prova de que temos capacidade de fazer pesquisa de ponta. Poderíamos tentar produzir carros com foco ambiental não apenas no combustível,mas em todos os materiais, processos de fabricação,manutenção e posterior reciclagem.As montadoras atuais usam o meio ambiente como fator de marketing, não há tecnologia real em seus produtos.
Tal empresa não poderia ser estatal, que aqui tende a se tornar apenas um cabide de empregos totalmente ineficiente, mas precisaria ter apoio do governo em sua fase inicial. Apoio limitado e por prazo determinado —se a empresa não conseguir andar sozinha depois disso, melhor deixar fechar.
Essa frustração tem de acabar— como podemos ter todos os recursos humanos e um mercado à disposição
e não termos uma montadora competitiva e vencedora?
RONALDO DE BREYNE SALVAGNI, 59, é professor titular e coordenador do Centro de Engenharia
Automotiva da Escola Politécnica da USP
Publicado na Folha de SP de 21/11/12